25 de fevereiro de 2008

Energia e Equidade


O socialismo pode chegar apenas de bicicleta? A frase - "El socialismo puede llegar solo en bicicleta" -, não uma pergunta, foi proferida por José Antonio Viera-Gallo, secretário de estado da justiça no governo de Salvador Allende. À distância de 35 anos, vale a pena perguntarmo-nos se mantém actualidade ou interesse discutir o tema, que fez parte de um extenso artigo publicado por Ivan Illich no Le Monde, em 1973.
Neste momento é importante fazer um ponto de ordem sob a forma de um parentesis: não sou um socialista nem defendo o socialismo com unhas e dentes. Aliás, na última década creio que abandonei essa dicotomia redutora e simplista, globalização oblige, e não consigo falar já exclusivamente numa natureza socialista ou social-democráta, posto que não nutro nenhum tipo de afeição pelos outros extremos. E assim, também me parece que a simples separação entre direita e a esquerda é demasiado redutora para uma análise eficaz do espectro social e político da sociedade moderna. Fim de parentesis. Adiante.

No Expresso de 16 de Fevereiro, Miguel Sousa Tavares assinalava na sua crónica semanal, a propósito de declarações recentes de Manuel Alegre sobre o caminho feito pelo socialismo em Portugal, que não era preciso fazer-se nenhuma reflexão especial acerca do assunto porquanto está tudo inventado. O socialismo de sucesso chama-se social-democracia, foi inventado há 50 anos na Escandinávia e aplicado com sucesso em vários países do Norte da Europa.
E que tem isto que ver com o título deste artigo? Tudo e simultaneamente nada. Mas vamos por partes.

A primeira questão que temos de abordar é a de sabermos se existe, actualmente, uma crise energética. Isto é, se existe excesso/abundância de energia no mundo, ou se esta é escassa. E depois, como é feito o acesso à energia disponível, designadamente como é esta distribuída pelas pessoas que dela carecem. E finalmente, se para além das pessoas, existe uma prevalência de sectores no acesso à energia em detrimento de outros. A organização destes factores é, afinal, a definição da política energética de cada estado, que se há de enquadrar num contexto global. Por vezes teremos discrepâncias evidentes em estados fronteiros, sendo que isso não é indiferente ao bem-estar das populações que neles vivem. Um exemplo: a superabundância norte-americana em contraste com a escassez mexicana no acesso à energia.

Quando se fala em crise de energia, não se trata de saber se existe muita ou pouca energia disponível. Em princípio, para satisfação das nossas necessidades básicas, a mera força humana será suficiente para a produção da energia necessária. O problema coloca-se quando criamos uma sociedade ávida de recursos energéticos, onde forçosamente a tecnocracia produtora/reprodutora e consumidora de energia acaba por dominar a sociedade e o panorama humano, cerceando a liberdade individual e a convivẽncia multicultural. Porquê? Porque a uniformização do padrão "high energy", em que o bem-estar se avaliza e avalia pela capacidade de acesso à energia deixa pouco espaço para o indivíduo poder viver em liberdade ou tecer sistemas saudáveis de relacionamento social. Veja-se, como exemplo, o consumismo desenfreado, o isolacionismo do transporte motorizado individual, da tecnocracia construtora de uma cultura amarrada pelo transporte motorizado individual, onde a circulação está condicionada pelo automóvel. Os próprios locais de convívio, em regra fechados e dotados de elevadas necessidades de consumo energético tecem o ritmo "fashion" do convívio ("convício"?) social. E diga-se, isto nada tem que ver com uma visão política da sociedade. A cultura social "high energy" tanto pode vigorar em sistemas capitalistas, como socialistas, assim como o seu contrário.

O que nos leva à segunda questão, a do acesso à energia. Numa sociedade "low energy", existem menos diferenças, dado que a diferença de consumo traduz-se igualmente na construção de uma desigualdade entre os membros de uma comunidade. Obviamente, o consumo energético é importante e contribui de forma exponencial para o desenvolvimento e progresso social, mas a partir de determinado nível torna-se no grande - enorme - motor da sociedade e então há uma quebra (democrática?) na racionalidade do seu uso, sobretudo se o consumo de energia significa motorização individual, afinal a principal fonte de desperdício. Curiosamente, quanto maior a necessidade de energia neste capítulo, menor controlo se consegue obter sobre a racionalização do seu uso, dado que temos uma multiplicação de consumidores que, dada a sua escassa dimensão e capacidade negocial, são facilmente manipuláveis pelos grandes interesses das corporações produtoras de motores e combustíveis. Assim, será justo dizer que nos países em vias de desenvolvimento existe toda uma panóplia de escolhas por fazer, o que não quer necessariamente dizer que as mais correctas venham a ser feitas, nem que os membros da sociedade sejam mais livres. Sê-lo-ão em determinada medida, mas não em progresso social ou em desenvolvimento, sendo no entanto possível a partir do momento em que fizerem opções por uma via ou por outra. E é este segundo aspecto que verdadeiramente adquire importância quando falamos de equidade. Têm de ser estabelecidos limites mínimos para uma vivência digna, assim como padrões máximos de consumo e racionalização deste. Está já calculada a dimensão da pegada ecológica aceitável de cada pessoa, será portanto fácil avançar-se com a definição de uma política energética assente em energia abundante, limpa e eficiente. Aquilo que foram as conclusõe da cimeira da Bali (aqui acompanhadas em Dezembro) são, no fundo, a concretização teórica do que acabamos de referir. E nada disto é novo, dado que Ivan Illich referiu precisamente o mesmo há mais de 30 anos. Uma comparação fácil de fazer, neste capítulo, estabelece-se com o tipo de alimentação rica em calorias que uma pessoa obesa fará. A partir de determinado nível, o excesso calórico torna-se prejudicial e deixa de ser um factor benéfico para se tornar num factor de atraso (até de mobilidade). Com a energia ocorrerá o mesmo, a multiplicação consumista e motorista atravanca o progresso a partir de determinado nível, torna-se seu inimigo e, no limite condiciona a liberdade individual. É isto que sucede já na nossa sociedade, na qual pessoas viajam diariamente 3 a 4 horas até aos seus empregos, de onde regressam ao final do dia. Mais, fazem-no gastando uma parte importante do seu rendimento (e consequentemente dessa quota-parte de energia a que têm acesso) nessas deslocações diárias.

Eis-nos chegados ao terceiro ponto a debate. Actualmente, numa sociedade moderna, existem três ordens de factores para consumo da energia disponível produzida: o dispêndio em habitação, em produção industrial e em transportes. Cada sociedade distribuirá a sua energia de acordo com uma visão que tenha do bem-estar colectivo. Ao nível da habitação e da indústria terá de haver sempre um esforço para minorar ou optimizar o nível de consumo energético, tentando-se que a energia seja progressivamente mais "limpa". Não assim ao nível dos transportes. Estas têm uma prevalência excessiva sobre os outros dois factores de consumo, agravado ainda mais pelo uso de combustíveis fósseis em demasia. Hoje, existe um incompreensível antagonismo entre o transporte individual motorizado e o transporte colectivo, sendo que o primeiro continua a ser determinante na organização das nossas cidades. O aparente bem-estar (?) individual proporcionado pelo transporte individual vai avolumando o peso da factura a pagar pela sociedade humana. Apenas um pequeno número de pessoas dele beneficia, mas com que custo para as demais. O custo (e não falamos apenas de preço por litro) da utilização desta energia é elevadíssimo quando pesamos factores como a poluição, a emissão de gases de efeito de estufa, o espaço ocupado nas ruas, o stress acumulado, as doenças respiratórias e cardio-vasculares evitáveis, o tempo de aprisionamento em filas e a procuras de espaços de estacionamento, etc. Evidentemente, postas as coisas desta forma, dir-se-á que a regra nas nossas sociedades consiste ainda no privilégio do transporte individual e a excepção é precisamente o uso do transporte público, o que agrava as desigualdades sociais. Porque é disso que se trata. Um exemplo: porque motivo o habitante de uma terra distante da capital, que se desloca diariamente de bicicleta, ou a pé para o seu local de trabalho, tem de contribuir com os seus impostos para o pagamento de taxas de emissão de gases com efeitos de estufa para a atmosfera, quando não tira rigorosamente nenhum partido das filas de trânsito que pululam numa grande cidade em hora de ponta? Já não falamos aqui de solidariedade social, evidentemente. Até porque esta funcionaria precisamente ao contrário e a pessoa teria direito a ser indemnizada por ser "low-energy". Como resolver, assim, esta problema? Forçamos o indivíduo não-motorizado a adoptar motorização? Damos-lhe uma quota de poluição de que não necessita? Privilegiamos o seu rendimento? Deduzimos os seus impostos? A questão não é, evidentemente, fácil de ser resolvida. Mas envolve um raciocínio que importa debater a curtíssimo prazo, porquanto acarreta uma inevitável desigualdade e injustiça social que se prende com o gasto de recurso importantes num sector que beneficia poucos em detrimento do bem-estar de muitos. Donde, para concluir, o acesso à energia está relativamente democratizado, mas não o uso que desta se faz. Num contexto de justiça social, o acesso à energia é um factor desequilibrante e sê-lo-á tanto mais quanto mais privilegiar o transporte motorizado individual.

Energia e equidade andam, pois, de mãos dadas numa sociedade moderna, devendo constituir um dos principais factores de preocupação das sociedades desenvolvidas, subdesenvolvidas ou em vias de desenvolvimento. Porque é muito mais fácil planear a partir de uma folha em branco, que corrigir erros que arreigadamente foram sendo cometidos ao longo de décadas assentes no errado pressuposto que a motorização individual constituía um factor de liberdade do indivíduo. Sabemo-lo hoje, nada de mais errado.

Voltando ao início deste texto. O socialismo pode chegar de bicicleta, provavelmente não apenas de bicicleta, mas esta constitui um importante factor de correcção de assimetrias sociais e até de incremento de justiça social. São duas rodas, propulsionadas por uma pessoa, que dispende apenas a energia necessária à sua deslocação, sem causar qualquer impacto em terceiros. As infra-estruturas de que carece têm baixo impacto e libertam espaço individual e recursos para a satisfação de outras necessidades colectivamente mais relevantes que a deslocação individual, a despeito da sua importância. Os países do norte da Europa são o exemplo mais perfeito da convivência salutar da bicicleta com o transporte colectivo e a motorização individual. Aliás, apenas isso justifica o investimento em requalificação e adaptação urbana que cidades como Londres, Helsínquia, Estocolmo, Berlim, Colónia e Paris, para só citar algumas das maiores, estão a fazer. O socialismo ali já chegou há muito tempo. Infelizmente, nem Manuel Alegre nem muitos dos governantes deste país perceberam muito bem o que é que isso significa.

Debates sobre desenvolvimento sustentável em Lisboa

A Lisboa E-Nova, Agência Municipal de Energia e Ambiente promove várias sessões Ponto de Encontro, onde convida os cidadãos a debater o desenvolvimento sustentável de Lisboa.O objectivo, diz, é “facilitar e promover um fluxo construtivo de ideias envolvendo cidadãos, actores económicos, decisores políticos e especialistas em áreas temáticas relevantes para o desenvolvimento sustentável na Cidade de Lisboa”. As Sessões Ponto de Encontro decorrem no CIUL - Centro de Informação Urbana de Lisboa - Picoas Plaza, Rua do Viriato, 13 - Lisboa, das 17h30 às 19h30. As inscrições são obrigatórias (21.884.70.10).
Próximos eventos:
6 de Março: “Novas Soluções de Mobilidade”
15 de Maio: “O novo enquadramento legal da Microprodução”
5 de Junho: Planeamento Sustentável e Plano Verde Para Lisboa
19 de Junho: Construção Sustentável

19 de fevereiro de 2008

GROUPAMA OUT!

Groupama 3, virado ao largo da Nova Zelândia

Terminou a aventura Groupama no Troféu Júlio Verne. Ao largo da Nova Zelândia, o trimarã gigante quebrou o flutuador de bombordo e virou-se. A operação de resgate da tripulação foi efectuada com êxito através de helicóptero da marinha neo-zelandesa. A quebra do recorde da volta ao mundo à vela fica adiada, pelo que este permanece na posse do Orange 2 e de Bruno Peyron.

14 de fevereiro de 2008

Hyeres, França
A mobilidade urbana segundo Cartier-Bresson

Bom dia. Do outro lado do mundo, quase à longitude do Cabo Leewin, na Austrália, o Groupama 3 caiu num poço de (absoluta falta de) vento e o seu avanço virtual para o Orange 2 caiu para cerca de 300 milhas. Os nervos estão à flor da pele dos marinheiros, mas vale o Sol que brilha na zona e a claridade dos dias compridos perto da latitude 50º Sul.

11 de fevereiro de 2008

Telegrama Groupama

O Groupama 3 conseguiu finalmente libertar-se do sistema meteorológico em que se encontrava e desceu para perto do paralelo 42º S, onde encontrou melhores condições de mar e vento que lhe permitiram manter uma média de progressão para Este acima dos 30 nós nas últimas horas. A distância virtual para o Orange 2 regressa às 450 milhas e com tendência a aumentar. Único senão: duas frentes depressionárias no Índico que podem descer para Sul e bloquear a rota do trimarã gigante. Foi entretanto escolhida uma rota a Norte para efectuar a delicada passagem pelas Ilhas Kerguelen, parte das Terras Austrais e Antárticas Francesas. Isto porque é uma zona sujeita a forte ondulação mercê da súbita elevação dos fundos ocêanicos perto da plataforma do arquipélago numa zona de águas envolventes acentuadamente profundas.

Artigo com muito pedal

Excelente, o artigo da Ana Pereira no blog da Cenas a Pedal, sobre bicicletas long tail, como a Xtracycle (que também é por si comercializada) e a Yuba (referida no artigo). Muito bem escrito, sério, completo e analítico. Parabéns Ana, é sempre bom saber que não se está sozinho nesta paixão pelas SUB ou, mais reconfortante até, saber que existe alguém tão ou mais dedicado ainda que eu.

10 de fevereiro de 2008

ATC NuVinci

Uma fantástica invenção, o modelo NuVinci da Fallbrook Technologies. Trata-se de uma transmissão de variação contínua que combina as vantagens dos sistemas anteriormente existentes com o sistema planetário tradicional, permitindo sempre ao ciclista escolher a desmultiplicação adequada ao seu esforço em cada instante. Com este mecanismo, há uma maior simplicidade na troca da desmultiplicação, sendo esta mais suave dado que deixam de existir "mudanças" a trocar, fazendo-se a variação da desmultiplicação de forma contínua e sem engrenagem de carretos, cremalheiras ou sistemas planetários complexos, pelo que pode ser manuseado quer a bicicleta esteja parada ou a andar, com movimento de pedais ou não. O sistema é extremamente simples e aparentemente robusto. Para já, ganhou o galardão de inovação do ano 2007 na Holanda.

Ah, claro, já me esquecia, mas é importante referir que o sistema é totalmente compatível com a maioria das bicicletas existentes no mercado, incluindo a Xtracycle e a Yuba. Se já existe ou virá a ser comercializado em Portugal? Isso é outra história, evidentemente.
Eis uma demonstração do princípio de funcionamento.

9 de fevereiro de 2008

O Albatroz de Gorki

Sobre a superfície cinzenta do mar,
O vento reúne
Pesadas nuvens.
Semelhante a um raio negro,
Entre as nuvens e o mar,
Paira orgulhoso o albatroz,
Mensageiro da tempestade.
E ora são as asas tocando as ondas,
Ora é uma flecha rasgando as nuvens,
Ele grita.
E as nuvens escutam a alegria
No ousado grito do pássaro.
Nesse grito - sede de tempestade!
Nesse grito - as nuvens escutam a fúria,
A chama da paixão,
A confiança na Vitória.
As gaivotas gemem diante da tempestade,
Gemem e lançam-se ao mar,
Para lá no fundo esconderem
O pavor da tempestade.
E os mergulhões também gemem.
A eles, mergulhões,
É inacessível a delícia da luta pela vida:
O barulho do trovão os amedronta...
O tolo pinguim, timidamente
Esconde seu corpo obeso entre as rochas...
Apenas o orgulhoso albatroz voa,
Ousado e livre sobre a espuma cinzenta do mar.
Tonitroa o trovão.
As ondas gemem na espuma da fúria.
E discutem com o vento.
Eis que o vento
Abraça uma porção de ondas
Com força e lança-as
Com maldade selvagem nas rochas,
Espalhando-as como a poeira,
Respingando uma noite de esmeraldas.
O albatroz paira a gritar
Como um raio negro,
Rompendo as nuvens como uma flecha,
Levantando espuma com suas asas.
Ei-lo voando rápido como um demónio;
Orgulhoso e negro demónio da tempestade;
Ri das nuvens, soluça de alegria!
Ele - sensível demónio -
Há muito vem escutando
Cansaço na fúria do trovão.
Tem certeza de que as nuvens não escondem,
Não, não escondem...
Uiva o vento... Ribomba o trovão...
Sobre o abismo do mar,
Um monte de nuvens pesadas
Brilham como centelhas.
O mar pega as flechas de relâmpagos
E as apaga em sua voragem.
Parecem cobras de fogo.
Os reflexos desses raios,
Rastejando sobre o mar e desaparecendo.
- Tempestade!
Breve rebentará a tempestade!
Esse corajoso albatroz
Paira altivo entre os raios
E sobre o mar furiosamente urrando
Então grita o profeta da Vitória:
Que mais forte rebente a tempestade!

Maximo Gorki



8 de fevereiro de 2008

Sheldon Brown, 1944-2008

Acabo de saber, com consternação, do falecimento de Sheldon Brown, no dia 3 de Fevereiro. O nome deste americano do Massachussets não dirá nada à maior parte dos leitores, mas era das pessoas que mais deveria saber, em todo o mundo, acerca de bicicletas, sobretudo de cubos de rodas e mudanças. Uma verdadeira enciclopédia do assunto. Há algum tempo que não ia à sua página pessoal, nem trocava emails com ele e por isso não me apercebi da degradação do seu estado de saúde (padecia de uma forma rara de esclerose múltipla). E era um verdadeiro prazer fazê-lo, tal a simplicidade com que partilhava os seus conhecimentos. Numa ocasião cheguei a telefonar-lhe e estivemos perto de meia-hora ao telefone a falar de cubos Sturmey-Archer da década de 40-50 (tenho uma bicicleta equipada com um cubo desses original e tinha uma dúvida acerca da montagem de uma peça). Apesar da minha ignorância na matéria, teve a paciência de me explicar tudo e ainda me enviou um .pdf com os planos originais da peça em causa. Isto depois de me dizer com toda a delicadeza possível que tais cubos eram uma bela porcaria ("a nice piece of junk"), diga-se de passagem.
Apercebi-me que toda a gente que tem um fraquinho por bicicletas sentia por Sheldon o mesmo tipo de admiração que eu. Inteiramente merecida, de resto, posso acrescentar. Não era meu amigo, evidentemente, mas era reconfortante saber que existia uma pessoa assim.
A última coisa que soube dele é que estava indeciso entre votar em Clinton ou Obama, mas numa actualização recente da sua homepage afirmou que votaria em Obama. Ah! E era um americano que falava francês.
Boas pedaladas Sheldon.

Groupama 3, a partida do albatroz e a entrada caótica no Índico

Nos últimos dois dias o Groupama 3 perdeu imenso do avanço que detinha face ao Orange 2. Neste momento a distância reduziu-se para pouco mais de 200 milhas e tenderá ainda a diminuir nas próximas 24 horas, dado que a embarcação navegará à bolina durante umas horas, até estancar, mercê da melhoria das condições de navegação. As dificuldades foram motivadas por um anticiclone que se alojou à entrada do Índico, a sudeste do Cabo da Boa Esperança e por uma depressão girando demasiado a norte em torno da Antártida. O encontro de ambas provocou forte ondulação do mar, fazendo com que este ficasse bastante desencontrado, dificultando enormemente a progressão. No caso de um trimarã isto é tanto mais complicado quanto três cascos significam multiplicar o problema por três, com pressão e pancadas enormes em toda a estrutura de braços, mastro e velame.
Aqui podemos verificar a evolução dos centros de altas e baixas pressões ao largo da costa oeste africana, sobrepondo-se a rota do Groupama a verde.
Dois dias antes do Cabo da Boa Esperança o Groupama passou ao largo da Ilha de Santa Helena, colónia britânica e local de exílio de Napoleão Bonaparte, mas provavelmente os marinheiros não tiveram tempo de se lembrar do facto dado que tiveram de manobrar bastante, com mudanças de bordo consecutivas.
A boa notícia é que as esperanças de se atingir o recorde continuam intactas e a tripulação conseguiu acariciar o dorso de um segundo albatroz, antes de este se despedir (na imagem: Franck Proffit, chefe de quarto e leme a bordo do Groupama 3).

7 de fevereiro de 2008

A flor do Inverno


É ao olharmos para a amendoeira,
este ano requintada e deliciosamente florida
e depois para a figueira desnuda
incarnando perfeitamente o espírito da estação,
que somos levados a pensar
que não é o mesmo Inverno que as envolve.

E no entanto,
sabemos que à flor da amendoeira
sucederá a flor da figueira,
esta crescendo a seu tempo,

segura e com o viço,
resguardada pela grossa folha caduca

O Verão chega sempre

e uma e outra, no tempo da boa-nova,
darão o fruto apetecido, que em Outubro,
maduro se casará à boa mesa,
em família,
seco, torrado
ou adocicado à sobremesa.


E então, no ciclo ininterrupto das estações,
será novamente Inverno,
tempo de aparelhar os cestos na bicicleta
e ir à lenha
perto do campo das bétulas,
mesmo ao lado das colmeias,

mergulhadas no cheiro da terra
humedecida pelo orvalho da noite.

Telegrama Groupama

Uma breve nota para dizer que o Groupama 3 acaba de passar o Cabo da Boa Esperança em tempo recorde. Mantém-se em avanço sobre o tempo do Orange 2, mas agora a menos de 300 milhas virtuais de distância. Voltaremos a este assunto assim que houver uma nesga de tempo.

6 de fevereiro de 2008

Uma bejeca para o caminho

Lido num pacotinho de açucar da Caffecel: na volta a Portugal em bicicleta de 1951, Ribeiro da Silva, uma figura proeminente no ciclismo nacional (ganhou as voltas de 1955 e 1957) terá, devido ao calor, parado numa venda de beira da estrada para beber uma cerveja fresca. Como não tinha dinheiro, teve de esperar por um carro de apoio para pagar a dívida. Longe vinham ainda os tempos do controlo anti-doping ditados pela UCI. Como curiosidade refira-se que a volta desse ano foi ganha por Alves Barbosa.

Portugal é 18º em Desempenho Ambiental

Portugal ocupa o 18º lugar em termos de performance ambiental, de acordo com o Índice de Desempenho Ambiental 2008, apresentado recentemente em Davos pelo Fórum Económico Mundial. A lista de 149 países é liderada pela Suíça (com 95,5 por cento), logo seguida da Noruega, Suécia e Finlândia. Os últimos são Serra Leoa (40) e Angola (39,5),e na 149ª posição está o Níger com 39,1 por cento. O índice avaliou o trabalho feito na área do clima, poluição do ar, água, recursos naturais e qualidade ambiental, e foi elaborado por uma equipa especialista das universidades de Yale e Columbia.
Dentro da fronteira europeia, Portugal está na 11ª posição, à frente de países como Itália, Dinamarca, Espanha ou Holanda. O País está acima da média europeia em cinco das seis categorias, avaliadas com base em 25 indicadores, que reflectem as prioridades ambiuentais dos governos e a concretização mundial do objectivo 7 dos «Objectivos do Milénio», da Organização das Nações Unidas, que é «garantir a sustentabilidade ambiental». Onde Portugal conseguiu os melhores resultados foi nas áreas do saneamento básico, água potável, emissões per capita, e protecção de habitats críticos. A pior nota obtida foi na área da biodiversidade e habitat, onde ficou abaixo da média, e no indicador de áreas marinhas protegidas e conservação efectiva da natureza.


A irreversibilidade dos "tipping elements"


Um estudo publicado ontem na revista “Proceedings of the National Academy of Science” (PNAS) lista as nove regiões do planeta que, ainda este século, serão palco de alterações bruscas devido ao sobre-aquecimento do planeta. Os cientistas, coordenados por Tim Lenton, da Universidade de East Anglia, alertam que pequenas actividades humanas podem alterar, de forma ampla e duradoura, alguns dos componentes mais importantes do sistema climático do planeta. Os investigadores chamam “tipping elements” a nove desses componentes que estão em risco de ultrapassar uma fronteira crítica. Os nove elementos são: o degelo do Ártico (processo que se estima estar concluído dentro de dez anos), o recuo da camada de gelo na Gronelândia (em 300 anos), o colapso da plataforma gelada do Oeste da Antárctida (300 anos), o colapso da corrente oceânica global conhecida como termoalina (100 anos), o aumento da oscilação do fenómeno El Niño no Pacífico (100 anos), o colapso das monções na Índia (um ano), a interrupção das monções na região ocidental de África (dez anos), o desaparecimento da floresta da Amazónia (50 anos) e o desaparecimento da floresta boreal (50 anos).

Fonte: Lusa

O primeiro albatroz do Groupama

Pode parecer pouco ou até insignificante, mas não é. No Groupama 3 acabam de avistar o primeiro albatroz, ainda no Atlântico, mais ou menos à latitude da Cidade do Cabo. Numa volta ao mundo por via marítima, significa que acaba de se entrar no imenso Sul, normalmente abaixo do paralelo 40ºS, onde o carrossel das vagas gigantes e dos ventos depressionários se encadeiam de forma infernal. E que faz um albatroz em semelhantes paragens? Nada. Mas também voa e pesca e apenas virá a terra para acasalar e procriar.

4 de fevereiro de 2008

Riding the Spine & Dolce Vita

Enquanto os homens a bordo do trimarã gigante Groupama 3 continuam a mergulhar em direcção à imensidão dos Mares do Sul, agora já com mais de 600 milhas de avanço em relação ao tempo do Orange 2, na América Latina Goat, Jacob, Sean e, agora também Nate e Russ, igualmente rumo a Sul, chegaram a metade do percurso pedalando arduamente entre o Alasca e a Terra do Fogo. Depois da travessia da Guatemala, estão agora na Nicarágua e as suas bicicletas long-tail continuam a portar-se à altura e a suportar lindamente as agruras e dificuldades do trajecto da expedição Riding the Spine.

Destaque-se, entre as montarias participantes, a fantástica Chupacabra tripulada por Goat, que é uma verdadeira sensação, a analisar demoradamente sob o ponto de vista do arrojo técnico.




Deste lado começamos a preparar a nossa Xtracycle para os primeiros raides do ano e para uma eventual participação nos Caminhos de Santiago. A ponte a meio do quadro foi reforçada e a corrente substituída por uma mais robusta. Por outro lado, optámos por pneus de estrutura reforçada que se dão melhor nas pedras, depois de alguns percalços recentes em zonas rochosas. Os travões foram igualmente substituídos por uns Deore Lx de forma que as descidas de declive acentuado passaram a ser uma formalidade, mesmo com carga plena.

Entretanto, ainda noutro registo, aproxima-se o tempo em que as crianças voltam a ir para a escola de comboio e bicicleta e a dolce vita da bicycle lifestyle regressa alegremente. Neste Inverno perdemos uma dezena de quilos, muito por culpa de uma coisa destas, mas o certo é que em quinze dias nos foi possível regressar ao comando de uma bicicleta. O progresso da medicina é notável.